Este título faz-me lembrar o "E depois do adeus". Mas na realidade este post é sobre o depois do Olá.
Olá às corridas outra vez!
Estive uns tempos encostada à box e os meus ténis de corrida até ganharam um lugar numa caixa de sapatos daquelas que só servem para nos cair em cima da prateleira mais alta do armário quando nos esticamos para tentar tirar qualquer coisa.
Ah e tal foste operada.. a recuperação foi mais lenta que o normal.. depois a desmotivação... Balelas!
Já andava preguiçosa antes disso... já não havia meias-maratonas no calendário e pouco a pouco fui deixando o íman do sofá atrair o metal na minha panelita...
E agora finalmente lá fui buscar um escadote e tirei os ténis da caixa. E fui dar corda (aos ténis) para ver o que acontecia. Ao início aconteceram várias coisas (lá venho eu com a enumeração):
- Tive dor de burro passado 3 minutos e senti profunda admiração pelo meu eu dos tempos áureos das corridas onde corria ainda mais rápido quando tinha dor de burro para o ácido láctico ir não sei para onde
- Os meus joelhos não curtiram da cena. De todo. Até fui buscar os exercícios que a médica de família me tinha dado para os meus "joelhos de corredor".
Duas notas aqui. Ter joelhos de corredor não é um elogio como inicialmente pensei.
Também fui buscar o papel com os exercícios à última prateleira do armário ;)
- Passados uns 20 minutos já tudo no meu corpo e à volta me incomodava. Aquela mescla de cabelo que tinha ficado de fora do rabo de cavalo, a camisola que tinha mangas muito largas, a meia que estava dobrada, muito vento, pouco vento, pessoas a passar por mim, muito oxigénio no ar...
Ah pois é! Era o meu cérebro a puxar para o caminho mais fácil: "Minha menina tu não és feita para isto. Vais mas é já buscar uma jola e sentar-te no sofá".
- Percebi porque é que aconselham as pessoas a fazerem a maratona antes dos 30. Há sítios do meu corpo que doem agora que não doíam quando tinha 20 e poucos anos. Mas também é porque eu tenho ido buscar muitas jolas ao frigorífico. E vinho, que se for tinto nem é necessário ir ao frigorífico..
Adiante, sem mais dispersões nas próximas 5 linhas.
Depois do baque inicial, depois de perceber e aceitar que estava pior do que aqueles corredores de fim-de-semana (alusão à noção de condutores de fim-de-semana em termos de qualidade, mas para as corridas) lá me foquei e marquei a primeira corrida do ano no calendário.
E convenci a minha personalidade impaciente de que não podia de repente achar que corria 16kms outra vez com "uma perna às costas". Então comecei de fininho. E aprendi a "alongar longamente" para os meus joelhos me deixarem subir e descer escadas no dia seguinte sem cantarem uma ópera num tom altíssimo de dor.
E não é que já tenho os meus joelhos a cantar em contralto? (O objectivo é que cantem baixo ou mute e... já estou a dispersar outra vez).
Há um tempo que tinha já passado ali a barrita dos 10km, com os bofes de fora e nem mais um metro. Mas a um ritmo suficiente para ainda ser honrosamente abaixo da hora.
Esta semana fui correr, tinha tempo e achei que tinha energia para só virar para trás um bocadinho mais à frente.
Para contextualização, corro muito frequentemente ao longo do rio Schelde (traduz em Português para rio Escalda), por isso tenho de gerir o esforço para ainda fazer a mesma distância para trás desde o ponto de partida.
Voltado ao tópico deste post, decidi que ía tentar os 12km, o que queria dizer que ía passar a barreira da 1h a correr. É uma barreira fortemente psicológica, já que os 10kms já andavam ali nos 55minutos. Quem corre 55minutos corre 60minutos.
Mas, na minha cabeça tolinha, 60minutos têm muito menos valor do que 1 HORA.
E, apesar de, como de costume, ter demorado muitas linhas na introdução do post, o que vos quero falar é do que se sente (ou do que eu sinto) quando se chega ao minuto 60 e alguns segundos a correr (1h00'X'', com X>0, para ser precisa).
Ao minuto 59 tudo dói.. mas ao minuto 60... Ao minuto 60 há uma felicidade interior que estava escondida bem escondidinha e que grita ao cérebro: "mete a jola no befe que eu sou menina para isto e muito mais!"
Confesso que uma lágrimazita me escorreu pela face quando olhei para o relógio e registei aquele minuto.
Foi uma lágrima pequena, que não tinha levado água e já tinha suado que nem um porquinho... mas foi tão profundo.
Foi a memória da primeira vez que cruzei uma meta de 21kms depois de quase ter desistido aos 4. Foi a memória das manhãs e serões passados entre a torre de Belém e o Cais Sodré. Foi a memória de ter de correr por mim e por uma amiga que não conseguiu chegar à linha da meta com a família dela toda à espera com cartazes e ver a desilusão nas suas caras.
E foi a memória de quão forte psicologicamente correr longas distâncias me tornou. Aguentar a dor, correr "com a cabeça", alegrar e deixar-se ser alegrado por quem corre ao nosso lado, puxar por quem parece que vai parar à nossa frente e manter um olho nos que vão a correr connosco mas um pouco atrás.
Isto são lições de vida do c******!
Só corri 1h07min (os meus joelhos.. construir músculo, etc), mas aqueles últimos 7 minutos souberam-me pela vida. As pessoas com quem me cruzei sorriram-me todas (e são belgas... não é fácil). Depois das 3ª pessoa percebi que era porque EU tinha um sorriso gigante e parvo no rosto que não conseguia fechar. As pessoas estavam na realidade a sorrir de volta para mim.
Porra.. quero muito manter este sorriso. E mantive-o um bocado, mas depois do banho a limpar a perna tive uma câimbra lixada e confesso que o sorriso se desvaneceu um bocadinho com a ópera outra vez em soprano ou mesmo tenor (ainda se lembram desta piada poderosa? Senão façam CTRL+F e depois "ópera").
"Resumidamente", mais do que estar aqui a fazer show off de que corri uma hora e picos, quero focar-me na descrição dos sentimentos que brotaram quando cheguei aos "picos".
Para mim essa profunda alegria vem de correr durante um grande período de tempo, onde o corpo se supera e o espírito se abre e rejubila (gif a dançar à maluca).
Não sei como é que temporariamente me esqueci que correr me fazia sentir assim!
Agora... vamos ser honestos, que honestidade é uma coisa muito bonita.
Não precisamos todos de correr mais que uma hora, se não as corridas estavam à pinha e não havia espaço para correr.
Mas que este post seja um abre-olhos (adoro estas palavras de Big Brother) para nos perguntarmos onde é que encontramos essa felicidade.
Quando é que foi a última vez que sentiram "61 minutos à Ana"?
(Tenho de encontrar um nome melhor, que isto assemelha-se muito a "5minutos à Benfica". Depois faço uma correcção no post da semana que vem, como nas revistas)
Pronto, nome à parte, quando é que foi a última vez que sentiram essa coisa descomunal, essa alegria que vinha de dentro de vocês e que contagiava outras pessoas? Estavam a fazer o quê? É que, meus meninos, essa coisa que estavam a fazer talvez seja mais imprescindível na vossa vida do que pensam.
Para mim foi esta semana, estava a correr 61 minutos e ainda tenho "um brilhozinho nos olhos"!